terça-feira, 16 de março de 2010

"NOSSAS BENGALAS"

Entrei, no último dia do ano, numa capela e deparei-me com inúmeras bengalas penduradas nos parapeitos das janelas, ao longo das paredes. O espetáculo era, ao mesmo tempo, pitoresco e inspirador. A visão e o choque de tantas bengalas me fizeram pensar.

A bengala, que já pode ter sido um distintivo de nobreza e moda, não é exatamente, hoje, um instrumento que nos deixa felizes. Quem dela necessita não gostaria de usá-la. Embora sendo útil, todos prefeririam dispensá-la. Mas a bengala é um símbolo imensamente rico. E vale a pena perguntar quais as bengalas que, em nossas vidas, nos trouxeram até aqui. Foram muitas. O médico que nos operou foi, sem dúvida, uma bengala preciosíssima e providencial. Sem ele, que teria sido de nossa caminhada? E a cozinheira que, a cada dia, colocou a comida de seu carinho a nossa frente, como a recomendar-nos: "Se não comer, não vai ter força para prosseguir!" Que grandes e abençoadas (e esquecidas) bengalas sãos as cozinheiras! E a família, as crianças, a parentela, os amigos, os colegas de trabalho? Graças a estas muitas bengalas, aqui estamos. A elas todas e a tantas outras, dá uma vontade louca de dizer "muito obrigado". Como gostaríamos de trocar com elas um longo e gostoso abraço, para que sentissem o quanto lhes somos gratos pelo bem que nos fizeram! Mas houve bengalas que foram ilusórias. Pareciam ser rijas, seu punho de prata e pontão esmaltado brilhavam. Eram, digamos, bem torneadas e atraentes, mas quando nelas nos apoiamos - que decepção! - sossobramos por sua frágil consistência. Nem sempre, é verdade, a culpa foi das bengalas; muitas vezes, devemos confessar, fomos vítimas de nossa sofreguidão e incúria. Ao invés de nos firmarmos em nossos próprios pés, preferimos o encosto cômodo de uma falaciosa bengala. Azar nosso e grande lição de vida! Se pelas primeiras, que nos ajudaram a chegar mais lampeiros até ao dia de hoje, gostaríamos de agradecer, para as segundas, as ilusórias, que foram, ao mesmo tempo, decepção e escola, é importante estender a mão. Com tropeços e quedas, na verdade, também se faz o caminho.

Todas as bengalas são boas, desde que não tomem o lugar de nosso pé. Elas só servem como ajuda. O passo será sempre nosso e a estrada é sempre de todos, quer sejam bons amigos ou falsos companheiros de caminhada.E, nós, que bengala fomos para os outros? Boas, firmes, seguras, retas e eretas, prestativas e disponíveis, ou aparentamos apenas o brilho enganoso do ouro, iludindo o passo dos que em nós buscaram apoio? Ah, ter e ser bengala!Um instrumento tão simples, e até temido e mal-querido, mas que nos pode lembrar de nossa história, propiciando-nos, quem sabe, até uns momentos de oração.

Obrigado, Senhor Deus, por todas as bengalas, amadas ou não, queridas ou temidas, que nos fizeram chegar até este dia. E perdão pelas vezes em que fomos uma falsa bengala na vida das pessoas que confiaram em nós. Dá-nos a graça de ser uma bengala simples e verdadeira, mesmo quando pendurada no parapeito duma janela, ou esquecida por seu usuário num canto qualquer de sua casa.

*** Por Frei Neylor J.Tonin *** http://www.freineylor.net/eu_amo_olga/29.htm